Carta 36 publicada a 14 fevereiro 2013

A forma extraordinária na arquidiocese de Toronto: da resistência nos anos Paulo VI a um novo arranque nos anos Bento XVI

Quando é apenas passado um ano desde que o Papa nomeou Mons. Collins arcebispo cardeal de Toronto, propomos esta semana, graças ao blog Rorate Cæli, um grande plano sobre a situação da forma extraordinária do rito romano na arquidiocese confiada a este prelado, que é a mais povoada das dioceses do Canadá (1,8 milhões de católicos para mais de 5,5 milhões de habitantes). Trata-se, digamo-lo desde já, de uma aplicação da lei da Igreja a todos os títulos exemplar.

O texto original desta reportagem, por nós adaptada e completada, foi redigido pela "Toronto Traditional Mass Society" (TTMS), filiada na Una Voce Vancouver, e publicado por Rorate Cæli na véspera de Natal.


I – A missa tradicional em Toronto: do seu quase desaparecimento ao renascimento

Anos a fio, na ausência de qualquer missa tradicional, os católicos de Toronto desejosos de uma liturgia digna e devota quase não tinham outra alternativa que não fosse a catedral de São Miguel. Com efeito, a qualidade do seu Cerimoniário, filiado no Instituo Pontifício de Música Sagrada, permitiu que aí se conservasse o sentido do agrado. É também certo que um pequeno grupo de fiéis, agregando-se em torno do Pe. Normandin, tinha conseguido desde os anos 70 a celebração semanal da liturgia pré-conciliar recorrendo a sacerdotes que aí estavam de passagem. Em meados dos anos 80, esta pequena comunidade que se juntava numa sala arrendada à Universidade, fez apelou à Fraternidade São Pio X (FSSX) para fazer face às necessidades litúrgicas até que conseguiu comprar uma igreja baptista que, em 1991, se tornou na Igreja da Transfiguração, ainda hoje a sede do apostolado levado a cabo pela FSSPX em Toronto.

Neste contexto, a ereção em finais dos anos 70 do Oratório de São Filipe Néri chegou como uma bênção para Toronto. Num primeiro tempo, os oratorianos começaram por celebrar o Novus Ordo, cuidando contudo de respeitar a Introdução Geral do Missal Romano, e mostrando assim um padrão até então nunca visto na diocese. Depois, começaram a proporcionar o Missal de 1962 no quadro do indulto de 1984. Até aí, só um sacerdote em toda a diocese, o Pe. Liam Gavigan, tinha ousado aproveitar deste indulto para fazer o retorno àquela que fora a missa da sua própria ordenação. Trinta anos mais tarde, com mais de 80 anos, o Pe. Gavigan ainda celebra todos os domingos duas missas tradicionais. Quanto aos oratorianos, também eles continuam a proporcionar a forma extraordinária todos os dias, incluindo os domingos, às 11 horas, na sua paróquia principal, e às 9.30 na paróquia de São Vicente de Paula.

Desde a sua fundação em 2004 que a Toronto Traditional Mass Society tem tido a preocupação de promover a celebração da liturgia tradicional nesta diocese. Para esse efeito, e ainda que sem sucesso, ela foi encontrar-se por várias vezes com o arcebispo de então, o cardeal Ambrozic, a fim de lhe pedir, por exemplo, que permitisse à Fraternidade de São Pedro (FSSP) vir instalar-se na diocese. Foi só com a chegada de Mons. Collins à cátedra episcopal e com o motu proprio Summorum Pontificum que as coisas começaram a melhorar. Durante o verão de 2008, a FSSP pôde efectivamente dar início a um apostolado com vista à criação de uma paróquia pessoal. Infelizmente, menos de dois anos mais tarde, a inícios de 2010, este apostolado viu o seu fim ao considerar a Fraternidade de São Pedro serem desadequadas as condições em que o mesmo se desenrolava.

Mesmo assim os membros da Toronto Traditional Mass Society não perderam o ânimo e trataram de dar novo ímpeto à difusão da forma extraordinária na diocese multiplicando as missas nos dias de festa solene.


II – Situação actual e perspectivas

Por todos os lados aonde «levamos até às pessoas a forma extraordinária, elas respondem favoravelmente», testemunha a TTMS, que se esforça por cobrir todo o (vasto) território da zona de Toronto. Cinco sacerdotes e um diácono permanente dão apoio a esta verdadeira campanha de promoção do motu proprio, que também conta, claro está, com a boa-vontade dos párocos que vão acolhendo estas missas nas suas paróquias.

Foi o aconteceu, por exemplo, em Mississauga, cidade de 700.000 habitantes a oeste de Toronto, onde mais de 450 fiéis acorreram à igreja de São José no dia 8 de Dezembro passado, para uma missa solene em honra da Imaculada Conceição. Nesta igreja de construção recente, diante de uma arquitectura tristemente profana, mas em que a disposição do altar é o mais “Bento XVI” possível, a beleza da liturgia captou os fiéis a tal ponto, que as crianças os acólitos contaram terem visto várias dezenas de pessoas com as lágrimas nos olhos no momento em que se ajoelharam para receber a comunhão. Aí está um forte encorajamento para continuar com esta “tournée”, diz a TTMS.

Da parte da diocese, a saída da FSSP não foi vista nem como um alívio nem como qualquer tipo de vitória, bem ao contrário, foi algo que veio incitar o cardeal Collins a encontrar uma solução para a comunidade que então se tinha formado. Desde 2011, esta comunidade está estabelecida na paróquia de São Lourenço, no bairro de Scarborough. Além do Pe.Gavigan, que também aí vive, os fiéis podem ainda contar com um capelão a tempo inteiro, o Pe. Szakaczki, que fez a sua formação com os oratorianos. Aí, há missa todos os dias e aos domingos é às 13 horas.

Fora de Toronto, a TTMS dá também o seu apoio à difusão da liturgia tradicional nas dioceses sufragâneas. Três das quatro dioceses (London, Saint Catharines e Hamilton) contam actualmente com pelo menos uma missa dominical semanal segundo a forma extraordinária do rito romano. Por fim, a associação oferece ainda, na medida das suas possibilidades, uma ajuda financeira aos seminaristas diocesanos ligados a esta expressão litúrgica.

Com efeito, à medida que se vai propagando a liturgia tradicional (e mais ainda no futuro), a Toronto Traditonal Mass Society já tem em vista uma nova configuração para a sua própria missão, abandonando progressivamente a organização prática das missas para se dedicar a apoiar os sacerdotes e os seminaristas e a formação dos acólitos.


III – As reflexões da Paix liturgique

1) A figura do Pe. Normandin tem todo o ar daquela que era a dos “padres rejeitados”, como lhes chamava o Pe. Houghton (veja-se a nossa carta 291 na edição francesa). Pároco em Montréal, recusou-se a partir de 1975 a celebrar a nova missa, sendo então destituído pelo seu bispo. Desafiando o episcopado, pôs-se a percorrer todo o Canadá para ir ao encontro das necessidades dos fiéis e ajudou à implantação da Fraternidade de São Pio X no país. Publicou um livro, hoje esgotado e que à época teve um eco enorme no Canadá: “Um pároco posto na rua”. Em 1985 veio a reconciliar-se com o bispo de Montréal, e isso permitiu-lhe beneficiar do indulto de 1984. Até 2010, foi capelão da comunidade tradicional de Montréal. Hoje, continua ainda a celebrar a missa tradicional na comunidade religiosa que o acolhe.

Foi um grande bem que o Papa Bento XVI tivesse dito e escrito que a missa tradicional jamais havia sido interdita. No entanto, no plano dos factos, santos homens como o Pe. Normandin ou Mons. Ducaud-Bourget, sacerdote parisiense perseguido pelo cardeal Marty e que esteve na origem da ocupação da igreja de Saint-Nicolas du Chardonnet, testemunharão diante dos Céus que a realidade prática foi bem outra.

2) Bem sabemos que não há missa sem sacerdote e vemos claramente que em Toronto, seguindo as pegadas do Pe. Normandin, o Pe. Gavigan e os oratorianos vieram a ter um papel essencial na sobrevivência da missa tradicional. No entanto, este exemplo canadiano convida-nos a reflectir sobre a importância da perseverança e da dedicação dos leigos. Até à chegada da Fraternidade São Pio X, foram eles que garantiram toda a logística necessária para a missa, chegando a arrendar instalações pertencentes à Universidade. Do mesmo modo, também é exemplar o trabalho levado a cabo pela Toronto Traditional Mass Society, já que animado pela preocupação de divulgar o motu proprio Bento XVI de paróquia em paróquia, sem cultivar qualquer ideia de ghetto para privilegiados.