Carta 49 publicada a 5 maio 2014

MISSA DE UM BISPO AUXILIAR DO PAPA, NA PARÓQUIA DA TRINITÀ DEI PELLEGRINI, EM ROMA: “O VERDADEIRO INIMIGO É A DIVISÃO DO CORPO MÍSTICO DE CRISTO”


« Lætatus sum in his, quæ dicta sunt mihi : in domum Domini ibimus. » [Alegro-me do que me disseram: entraremos na casa do Senhor!]

A alegria que aparece expressa no Intróito do quarto domingo de Quaresma, também dito “Domingo de Laetare”, resume à perfeição o estado de espírito dos fiéis e dos sacerdotes que, no domingo dia 30 de Março de 2014, assistiram à missa das 11 horas na igreja da Trinità dei Pellegrini, em Roma. De facto, foi a primeira vez que depois do Motu Proprio Summorum Pontificum, um bispo com funções para a cidade de Roma celebra a missa tradicional, no caso, Mons. Matteo Zuppi, bispo auxiliar para o centro histórico. Um dos nossos correspondentes estava lá.


I –  UM MOMENTO HISTÓRICO, PORQUE NORMAL

A Trinità dei Pellegrini é uma igreja fundada nos últimos anos de vida de São Filipe Neri, pela confraria que ele criara nas vésperas do jubileu de 1550 com o objectivo de abrigar e assistir os peregrinos que iam chegando à Cidade Eterna. Desde 2008 que ela é a sede de uma paróquia pessoal para os fiéis ligados à forma extraordinária do rito romano – a liturgia tradicional –, estando confiada á Fraternidade Sacerdotal São Pedro (FSSP). Tendo sido um ponto fixo de apoio á peregrinação do povo Summorum Pontificum, ela recebe também prelados de todo o mundo para aí celebrarem missas pontificais solenes.

Nada haveria pois de excepcional em que um bispo aqui viesse celebrar a missa do quarto domingo de Quaresma. Nada haveria de excepcional, se não fosse pelo facto de o bispo em questão ser precisamente o bispo auxiliar da diocese de Roma que tem a seu cargo o centro histórico, isto é, á area da cidade onde se situa a Trinità dei Pellegrini. Como foi sublinhado pelo pároco, o Pe. Kramer, nas suas palavras iniciais de boas-vindas, tratou-se de facto da “primeira vez, desde as reformas litúrgicas dos anos 60” que um bispo em funções na diocese de Roma – cujo titular é o próprio Santo Padre – celebrou a missa segundo o missal do agora declarado santo João XXIII, numa das paróquias da cidade. Realçando assim a importância deste “dia histórico”, que manifesta “a união jurídica e afectiva que liga a nossa paróquia à diocese”, o Pe. Kramer agradeceu a Mons. Zuppi a sua vinda, que prova o quanto “a forma extraordinária do rito romano passou a fazer parte da vida normal da Igreja”, de acordo com o que foi previsto pelo Motu Proprio Summorum Pontificum de Bento XVI.

No curso da sua homilia, Mons. Matteo Zuppi começou por convidar a assembleia a fazer “a opção” pela alegria, que é um “raio de luz”, como lhe chama o Papa Francisco na Evangelium Gaudium. De seguida, fez questão de expressar a sua “profunda comunhão com esta paróquia e o serviço que a mesma presta à Igreja e a toda a cidade”, explicando que “nada nem ninguém está isolado” e que “somos todos chamados ao serviço da comunhão”; porque, continuou, “o verdadeiro inimigo é a divisão do Corpo Místico de Cristo”. Depois, Mons. Zuppi passou a comentar o Evangelho do dia – a multiplicação dos pães –, insistindo na relação entre Cristo e a multidão, da qual não tenta fugir, optando antes por actuar precisamente no meio dela. Advertiu a esse propósito contra a tentação de se isolar da multidão, condenando-a antes mesmo de tentar mudá-la e acabando, no final das contas, por privilegiar o próprio bem-estar em detrimento do dos demais, o que leva a que as pessoas se tornem no que ele apelidou de “homens-ilhas”. Cristo, ao contrário, vai ao encontro da multidão e “aceita o desafio” de a saciar, oferecendo-lhe o que Mons. Zuppi (que é assistente espiritual da Comunidade de Sant’Egidio, conhecida pelas suas preocupações solidárias, mesmo no plano internacional, e que coabita nesta igreja com a comunidade Summorum Pontificum) chamou de “pão da solidariedade”.

À saída da cerimónia, o prelado foi brindado com a presença e a alegria de muitos dos que lá estavam, tendo feito questão de cumprimentar um a um os fiéis enquanto ia sendo servido um café. Mons. Zuppi aproveitou ainda para confirmar a sua intenção de estar presente no Pentecostes junto de uma das outras comunidades tradicionais de Roma, no caso, a que é assistida pelo Instituto do Cristo-Rei Sumo Sacerdote (ICRSP), na igreja de Gesù e Maria, à Via del Corso.




II –  AS REFLEXÕES DA PAIX LITURGIQUE


1)  “Obrigado por ter vindo!”: esta exclamação sentida de um dos fiéis exprime bem a alegria dos membros da paróquia da Trinità dei Pellegrini e a sua gratidão em relação a este seu bispo. Como foi testemunhado pela sua homilia, Mons. Zuppi, que foi sagrado bispo em Abril de 2012, tem um cuidado autêntico pela comunhão diocesana e é manifesto que leva a peito a preocupação de não deixar de lado nenhuma das comunidades da sua área da cidade. Aliás, este ano participou em quase todas as procissões que marcaram as estações quaresmais de Roma, e a sua vista à paróquia da Trinità dei Pellegrini acaba afinal por se inserir tão simplesmente na ronda de visitas às paróquias do seu sector. Como foi salientado pelo Pe. Kramer, é justamente o carácter ordinário da vinda de Mons. Zuppi que faz que este tenha sido um dia histórico. Porque isso vem a significar, muito simplesmente, que o Vicariato de Roma (*), na pessoa de Mons. Zuppi, considera algo de perfeitamente normal que se celebre a forma extraordinária.


2)  É significativo que este “dia histórico”, como lhe chamou o Pe. Kramer, tenha tido lugar sob o pontificado do Papa Francisco. Dentro como fora da Igreja e tanto entre os que se enquadram no sector da modernidade como entre os que preferem o da tradição, há talvez quem quisesse fazer crer que a Igreja teria mudado de roupa com a eleição do Cardeal Bergoglio, como se se tivesse fechado o parêntese restaurador constituído pelo pontificado de Bento XVI para se reatar outra vez com o famoso “espírito do Concílio”. Na realidade, porém, o pontificado precedente frequentemente não fez mais do que indicar o trilho da restauração sem impor que a mesma se pusesse em marcha e o novo está a provar, mês após mês, que não tem qualquer problema relativamente à tradição litúrgica da Igreja.

De resto, é o que recentemente escrevia Alberto Carosa, correspondente em Roma de Catholic World Report, quando sublinhava cinco gestos que podem significar a continuidade entre Francisco e Bento XVI: a elevação ao cardinalato de Mons. Bassetti, arcebispo de Perugia e amigo da forma extraordinária; a declaração do Papa aos bispos da Puglia (veja-se a nossa carta>  415); a mensagem dirigida à FSSP por ocasião do seu 25°  aniversário; bem como a que dirigiu aos peregrinos do povo Summorum Pontificum; e também as declarações feitas pelo Papa ao Cardeal Castrillon Oyos em Novembro de 2013. A tais gestos, convém ainda juntar uma série de nomeações episcopais que vêm provar que a celebração da forma extraordinária não é um senão no curriculum de um bispo, sendo a última a de Mons. Robert Byrne, antigo preboste do Oratório de Oxford, que aí reintroduziu a missa tradicional em 2004.


3)  Em Roma, há quem veja na ida de Mons. Zuppi à paróquia da Trinità dei Pellegrini um gesto de reparação para com a comunidade Summorum Pontificum após a supressão da missa do primeiro sábado de cada mês na Basílica de Santa Maria Maior e, mais ainda, pela triste intervenção em curso junto dos Franciscanos da Imaculada, que levou à supressão, de modo brutal, de trinta das trinta e três missas tradicionais que aqueles celebravam em Itália. Não somos adivinhos, mas se esse tiver sido o caso, isso significa que o episcopado da cidade de Roma està atento ao que dizem as suas ovelhas e demonstra ter um sentido apurado da justiça e da caridade. E se não foi o caso, então esse gesto significaria muito simplesmente que, como deixa entender Mons. Zuppi na sua homilia, ao ir lá, ele agiu segundo as directivas pastorais do Papa Francisco: afinal, de certa forma, é ou não verdade que, até agora, a paróquia da Trinità dei Pellegrini era como que uma “periferia” no centro histórico de Roma?


(*) Sendo o Bispo de Roma, o Papa tem dois vigários que o ajudam, um para a Cidade do Vaticano (o Cardeal Comastri) e outro para a cidade de Roma (o Cardeal Vallini).