Carta 17 publicada a 4 junho 2011

Instrução Universae Ecclesiae: um texto que nos dá respostas

Na sexta-feira, dia 13 de Maio de 2011, aniversário da aparição de Nossa Senhora em Fátima, a Santa Sé publicou a tão esperada instrução relativa à aplicação do motu proprio SummorumPontificum. Com o título de “Universae Ecclesiae”, este texto traz a data de 30 de Abril, dia da festa de São Pio V segundo o novo calendário. A esta ditosa dupla protecção vem ainda juntar-se o facto de que o texto foi tornado público no preciso momento em que em Roma se abria o terceiro colóquio sobre o motu proprio, acerca do qual se pode agora dizer ser claramente o colóquio oficial da Comissão Pontifícia Ecclesia Dei. Se Roma escolheu tão cuidadosamente a data para a apresentação desta instrução, fê-lo muito simplesmente para assim lhe dar o maior eco possível, como o confirma o espaço que lhe dedicou o Osservatore Romano.

Já ninguém pode fingir que ignora este facto: a liturgia tradicional da Igreja é “um tesouro a ser conservado preciosamente” (art. 8º) oferecido “a todos os fiéis” e não apenas aos que estão ligados ao usus antiquor.

Esta semana propomo-nos fazer um comentário a este texto do ponto de vista dos grupos de fiéis peticionários da forma extraordinária.


1) Os poderes atribuídos à Comissão Ecclesia Dei


A 10 de Março, sob a forma de uma súplica dirigida ao Cardeal Bertone, Secretário de Estado da Santa Sé, o Movimento para a Paz Litúrgica e para a reconciliação dos católicos no interior da Igreja chamava a atenção para a insuficiência de poder da Comissão Pontifícia Ecclesia Dei para fazer aplicar o motu proprio Summorum Pontificum (veja-se a carta PL 15). Ora não se exagera se se disser que o ponto forte da instrução Universae Ecclesia é precisamente a resposta que na sua segunda parte (As competências da Comissão Pontifícia Ecclesia Dei) oferece a este pedido.

Com efeito, a comissão Ecclesia Dei vê-se agora dotada de um poder vicário (art. 9º) — enquanto representante do Papa — em ordem « à vigilância na aplicação das disposições do Motu Proprio ». Este poder de instar os “ordinários” (bispos ou superiores religiosos) à aplicação das generosas disposições do motu proprio exprimir-se-á em “decretos” (art.10º, 2), dos quais se diz desde já que «passíveis de apelação ad normam iuris junto do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica», dirigido pelo Cardeal Burke. Para lá da linguagem canónica, o que devemos reter é que a partir de agora temos um quadro jurídico claramente definido para fiéis e sacerdotes que sejam vítimas de uma recusa episcopal.

Era esta uma das esperanças dos peticionários que se viam confrontados com bloqueios eclesiásticos e é coisa excelente que hoje a vejamos ser satisfeita.


2) Uma lei universal para a Igreja para o bem dos fiéis

No seu artigo 2º, a instrução lembra que o motu proprio Summorum Pontificum é «uma lei universal para a Igreja» promulgada pelo Santo Padre. Esta expressão, empregue de novo numa nota da Comissão Ecclesia Dei publicada pelo Osservatore Romano, é uma confirmação “de cima para baixo” de quanto foi demonstrado “de baixo para cima” pelas sondagens científicas que vêm sendo regularmente encomendadas pela Paix Liturgique: o facto de que a “Missa em latim” não é um privilégio concedido a uns quantos nostálgicos. E apoiando-se sobre o estado da liturgia anterior às reformas conciliares, o motu proprio é também uma «lei especial» que, por conseguinte, vem derrogar todas as disposições litúrgicas (mas não as puramente canónicas como é o caso da incardinação dos clérigos) posteriores a esse estado da liturgia (art. 28º).

Não espanta, pois, que a Comissão Ecclesia Dei conclua o seu comentário sobre a instrução com uma “esperança”: a de que «a observação das normas e das disposições da instrução» contribua para aquela reconciliação e unidade que o Santo Padre dizia desejar na cata dirigida aos bispos a 7 de Julho de 2007. Para que assim seja, a comissão diz contar com «a caridade pastoral e a prudente vigilância» dos pastores da Igreja.

Também os grupos de peticionários esperam dos seus pastores — e nomeadamente daqueles que até agora se têm recusado a dar espaço à forma extraordinária nas suas dioceses ou paróquias — que dêem provas de «caridade pastoral» e de «prudente vigilância». Uma expectativa que é tanto mais legítima quanto é certo que o ponto 8, alínea b), da instrução precisa que «o uso da forma extraordinária, supondo que o uso da Liturgia Romana vigente em 1962 é uma faculdade concedida para o bem dos fiéis e que por conseguinte deve ser interpretada em sentido favorável aos fiéis, que são os seus principais destinatários».


3) Nada de retoques ou “bricolage” na forma extraordinária

No seu artigo 6º, a instrução estipula que «pelo seu uso venerável e antigo a forma extraordinária deve ser conservada em devida honra». E no art. 14º, ela afirma que «é tarefa do Ordinário tomar as medidas necessárias para garantir o respeito da forma extraordinária do Rito Romano, de acordo com o Motu Proprio Summorum Pontificum».

Na parte dedicada à «disciplina litúrgica e eclesiástica» (arts. 24º a 28º), lembra‑se que «os livros litúrgicos da forma extraordinária devem ser usados como previstos em si mesmos» e que «por força do seu caráter de lei especial, no seu próprio âmbito, o Motu Proprio Summorum Pontificum derroga os textos legislativos inerentes aos sagrados Ritos promulgados a partir de 1962 e incompatíveis com as rubricas dos livros litúrgicos em vigor em 1962».

Os grupos de peticionários a quem foram infligidas celebrações que misturavam a liturgia tradicional e a moderna (por exemplo, usando o leccionário de Paulo VI) podem então legitimamente pedir ao respectivo bispo que intervenha para que seja respeitado o Missal de João XXIII.


4) A abertura à forma extraordinária das portas dos santuários…

Na nossa carta nº263, denunciámos a recusa arbitrária oposta a um sacerdote duma comunidade Ecclesia Dei de celebrar segundo a forma extraordinária na basílica do Sacré-Coeur em Montmartre, Paris. Os artigos 16 e 18 da instrução vêm agora regular definitivamente os casos deste tipo.

O art. 16º declara que se «um sacerdote se apresente ocasionalmente com algumas pessoas em uma igreja paroquial ou oratório e queira celebrar na forma extraordinária», nesse caso «o pároco ou o reitor de uma igreja, ou o sacerdote responsável por uma igreja, o admita a tal celebração, levando todavia em conta as exigências da programação dos horários das celebrações litúrgicas da igreja em questão». «Nos santuários e lugares de peregrinação», completa o art. 18º, «deve-se oferecer a possibilidade de celebração na forma extraordinária aos grupos de peregrinos que o pedirem, se houver um sacerdote idóneo.»


5) e dos seminários …

Nos arts. 20º a 23º, a instrução define com justeza o que se deve entender por sacerdote “idóneo” apresentando dois critérios: que não esteja impedido pelo direito canónico e que tenha do latim «um conhecimento de base», precisando ainda que quanto «ao conhecimento e execução do Rito, se presumem idóneos os sacerdotes que se apresentam espontaneamente a celebrar na forma extraordinária, e que já o fizeram no passado».

Eis que assim se põe um limite à invencionice repressiva dos bispos que, à semelhança do cardeal Rosales de Manila ou da Conferência Episcopal alemã, exigiram abusivamente pergaminhos de latinismo e liturgismo aos sacerdotes que se mostravam desejosos de celebrar segundo a forma extraordinária.

Como, já por várias vezes, a Paix Liturgique teve a ocasião de ilustrar, uma parte significativa dos seminaristas diocesanos, mesmo em Portugal (!), anseia poder viver o seu sacerdócio ao ritmo da forma extraordinária do rito romano e um número ainda mais importante anseia muito simplesmente vir a conhecer esta liturgia para poder enriquecer a sua prática da forma ordinária, de acordo com o convite feito pelo Sumo Pontífice. A partir de agora, os seminaristas poderão apoiar-se na instrução Universae Ecclesiae para pedir o regresso do latim ao programa de estudos, assim como, no mínimo, uma oportunidade para descobrir a forma extraordinária.

Esta disposição da instrução, associada ao art. 22º — que prevê que «nas dioceses onde não houver sacerdotes idóneos, os bispos diocesanos podem pedir a colaboração dos sacerdotes dos Institutos erigidos pela Comissão Ecclesia Dei ou dos sacerdotes que conhecem a forma extraordinária do Rito, seja em vista da celebração, seja com vistas ao seu eventual ensino» —, é uma garantia para os grupos de peticionários de que podem contar, a médio prazo, bem entendido, com sacerdotes devidamente preparados para celebrarem a forma extraordinária.

Já não há como parar o movimento de reconciliação iniciado por Bento XVI a 7 de Julho de 2007.