Carta 22 publicada a 18 outubro 2011

VIVIERS OU O RETRATO DE UMA DIOCESE FRANCESA PRIVADA DE MOTU PROPRIO

Desde o início do Verão, a edição francesa da nossa carta tem vindo a publicar uma série de inquéritos sobre as cinco dioceses francesas privadas da aplicação do motu proprio Summorum Pontificum. Uma delas, a diocese de Viviers, encontra-se numa situação caricatural, a tal ponto que por aí bem podemos ver a situação do catolicismo pós-conciliar nos países europeus.

A diocese de Viviers corresponde ao departamento do Ardèche, que se estende ao longo do Ródano, ao sul de Lyon. Outrora, foi nesta diocese que o Reverendo Padre Houghton, de quem propusemos algumas linhas na nossa última carta, encontrou refúgio depois de se ter demitido da sua paróquia assim que entrou em vigor o missal de Paulo VI. Hoje, é uma das raras dioceses da França metropolitana a estar totalmente privada da liturgia tradicional, uma vez que até mesmo a Fraternidade São Pio X está aí ausente. E no entanto, existe aí uma procura da forma extraordinária e Mons. Blondel, bispo de Viviers desde o ano 2000, sabe disso.


I – Uma diocese em falência de vocações

Segundo a estatística do início do ano, a diocese de Viviers conta com 139 sacerdotes, dos quais 72 no activo. No entanto a pirâmide etária é dramática, pois que apenas 7 sacerdotes têm menos de 50 anos! E as coisas não vão para melhor, já que hoje a diocese não tem qualquer seminarista, o que significa que nos próximos 7 ou 8 anos não haverá novos padres …

É o deserto sacerdotal o que se está a formar na diocese dirigida pela batuta de Mons. Blondel, ainda que, em 2006, ele tenha tentado inverter o estado de coisas por meio de uma cata pastoral “sobre as vocações sacerdotais e a missão dos padres”. Infelizmente, este documento, não obstante o ter sido distribuído em 38.000 exemplares, não produziu qualquer eco. Será talvez porque, contrariando o que tem vindo a ser promovido em Roma, pelo Cardeal Piacenza, Prefeito da Congregação para o Clero, a diocese de Viviers não se decide a apostar na questão da singularidade da identidade sacerdotal?

Ora, as estatísticas das vocações, de que regularmente damos conta, mostram bem que há um elo estreito entre a afirmação da identidade sacerdotal e o surgimento das vocações…


II – A procura diocesana

Na origem da procura, nesta diocese de Viviers, estão várias famílias que, depois das recusas nas suas paróquias, optaram por se concentrar num requerimento único.

Os representantes deste pedido, depois de se terem encontrado com o pároco da sua paróquia, o Sr. Padre Nougier, escreveram a Mons. Blondel a fim de lhe solicitar a possibilidade de beneficiarem das vantagens do motu prorio Summorum Pontificum. Esta carta, redigida em Outubro de 2010, recebeu uma resposta do bispo logo em Novembro do mesmo ano. É essa rápida resposta — um ponto a favor de Mons. Blondel — que vos damos a conhecer já a seguir, acompanhada dos nossos comentários, de tal maneira é ela ilustradora do estado de espírito de alguns dos nossos prelados, para quem a generosidade é coisa não só limitada mas também retractável!


III – A resposta do bispo

Viviers, 19 de Novembro de 2010

Ex.mos Senhores,

O Senhor Padre Henri Meissat, vigário episcopal, e o Senhor Padre Bernard Nougier, pároco de St. Joseph de Ligne, fizeram-me chegar, vindo da vossa parte, com data de 14 de Outubro de 2010, um pedido de aplicação do motu proprio Summorum Pontificum.

Eles deram-me conta de qual era o vosso estado de espírito ao longo da reunião que tiveram convosco e da garantia que lhes prestaram de estar a actuar em nome de um grupo estável.

Tomei pois em devida consideração o vosso pedido. Eis aqui o que tenciono organizar para lhe dar resposta.

O celebrante que designo é o Senhor Padre Hemri Goin, antigo pároco da Sé Catedral, que tem actualmente funções junto do arquivo diocesano e que é óptimo latinista.

Com o acordo do pároco da paróquia Charles de Foucauld Le Teil/Viviers, a igreja será a igreja de Saint-Laurent, em Viviers.

No primeiro sábado de cada mês será aí celebrada uma missa segundo o ritual de 1962. As leituras da Palavra de Deus serão as do missal do rito ordinário, pois faço questão que possais estar assim em comunhão com todas as comunidades da diocese. Estas leituras da Palavra de Deus serão feitas em francês.

Esta missa, celebrada às (17h30?) há-de ser considerada como uma missa paroquial. Os anúncios que aí serão feitos hão-de ser os da paróquia e da diocese. O peditório ficará afectado à paróquia.

O Senhor Padre Meissat organizará uma reunião entre vós e o Senhor Padre Goin, onde se decidirá então a data em que terá lugar a primeira celebração.

E dentro de seis meses faremos o ponto da situação.

Tendo assim dado resposta, como penso, a este vosso pedido, peço-vos que creiais fielmente na expressão dos meus melhores sentimentos e que estejais certos das minhas orações.

François Blondel
Bispo de Viviers


IV – As reflexões de Paix Liturgique

1) Tal como fizemos quanto ao prazo relativamente breve em que Mons. Blondel deu a sua resposta aos peticionários, também não podemos deixar de apreciar a forma que seguiu na sua resposta: escrita e circunstanciada. Infelizmente, tal não é tão frequento quanto isso; muitos são os párocos e bispos europeus — e isto quando se dão ao trabalho de responder! — que se contentam com transmitir oralmente uma recusa seca, ou então afogam a resposta num mar de considerações catequético-pastorais.

2) Mons. Blondel termina a sua carta com esta fórmula: «Tendo assim dado resposta, como penso, a este vosso pedido…». Seja, mas será que este prelado pensou séria e honestamente que com isto respondia ao pedido que lhe fora dirigido?

De facto, os peticionários mostraram a sua contrariedade relativamente a dois pontos:
— o lugar:
é bem certo que Viviers é a sede episcopal, mas o pedido tinha sido feito em Largentière… a 50 km de lá, o que, tendo em conta as estradas da região, representa 50 minutos de trajecto;
— o “bricolage” em torno da liturgia: querendo que as leituras sejam as do leccionário ordinário, Mons. Blondel vem fixar uma condição tão contrária ao espírito do motu proprio, que a instrução Universae Ecclesia, publicada a 13 de Maio de 2011, até especifica no seu art. 24º que «Os livros litúrgicos da forma extraordinária serão usados tal qual são», juntando no art. 26º, para o caso de não ter ficado claro, que estas leituras são as «da Santa Missa do Missal de 1962». De passagem, terão também notado o motivo teológico oferecido por Mons. Blondel: as leituras comuns como sinal da comunhão com as comunidades diocesanas… E poderíamos ainda juntar outras duas condições: a frequência mensal e o facto de o sábado não ser dia de preceito à luz do direito canónico que se associa ao Missal de 1962.

3) Desde então os fiéis já expressaram o seu descontentamento, mas o bispo optou por ficar em silêncio. E eis que onze meses se passaram desde a carta de Mons. Blondel sem que se tenha sequer celebrado a primeira missa. E a verdade é que não é preciso muito para que o Paço episcopal possa contentar os fiéis. De facto, se a questão do local da celebração só pode ser decidida por meio de uma nova conversa com os peticionários, já a relativa ao “bricolage” da celebração — estrutura da missa de 1962 com leituras de 1970 —, essa foi resolvida claramente pela instrução Universa Ecclesiae.

4) Será então que podemos esperar que, quando a Igreja universal festejar os 4 anos do motu proprio, Mons. Blondel faça aos peticionários do Ardèche a boa surpresa de lhes conceder por fim a celebração, ainda que mensal, e ainda que ao sábado à tarde, da forma extraordinária do rito romano, mas só a forma extraordinária e não mais do que isso?