Carta 28 publicada a 4 abril 2012

França: agora que a crise de vocações continua, a sensibilidade tradicional vai fazendo o seu caminho

A Conferência Episcopal Francesa (CEF) deu a conhecer no início do ano os resultados de um “Inquérito sobre a situação dos candidatos ao ministério sacerdotal a 15 de Novembro de 2011”, o qual veio confirmar a situação de crise das vocações diocesanas no país sem que deixasse entrever uma melhoria a curto ou médio prazo. Este mês apresentamos e comentamos os seus resultados, cotejando-os com as informações que temos recolhido sobre os efectivos dos institutos ligados à forma extraordinária do rito romano.


A – O NÍVEL HISTÓRICO MAIS BAIXO PARA OS SEMINARISTAS DESTINADOS ÀS DIOCESES FRANCESAS

1) AS NOVAS ENTRADAS EM SEMINÁRIOS DIOCESANOS

Como no ano passado, a redução do número de candidatos ao sacerdócio é de 3% (710 a 15 de Novembro de 2011 contra 732 a 15 de Novembro de 2010 e 756 a 15 de Novembro de 2009).

Para avaliar estes dados, lembremos que, num período de maior duração, os efectivos dos seminários franceses era de 4.536 em 1966 no final do Concílio; 1.297 em 1975, durante os anos explosivos da reforma litúrgica; 1.103 em 1996, no tempo de João Paulo II; 784 em 2005, altura da eleição de Bento XVI; e, por fim, 710 nos dias de hoje. Podemos assim observar uma queda de cerca de 85% desde o Vaticano II, e parece que nada a pode parar… pelo menos, enquanto nas paróquias reinar um espírito pouco favorável à renovação sacerdotal.

O inquérito da Comissão para os Ministros Ordenados e para os Leigos em Missão Eclesial diz respeito aos candidatos ao sacerdócio que obtêm a sua formação de primeiro e segundo ciclo no conjunto dos seminários franceses (seminários diocesanos, interdiocesanos, Grupos de Formação Universitária, seminários universitários, estagiários, Studim de Notre-Dame de Vie, em Venasque, comunidade de Nossa Senhora de Strada, em Bruxelas, Seminário Francês de Roma, sem esquecer os postulantes destinados ao sacerdócio das dioceses do ultramar, da Missão de França e da Diocese Castrense).

A fim de se obter o número exacto dos que se destinam ao sacerdócio nas dioceses francesas (directamente ou pertencendo a uma comunidade), seria necessário corrigir por baixo a cifra de 710, uma vez que esta também inclui seminaristas que não estão destinados a dioceses francesas, nomeadamente aqueles que pertencem às Missões Estrangeiras de Paris (25) e os seminaristas estrangeiros que hão-de partir para as suas dioceses de origem logo que terminem a sua formação ou após alguns anos de ministério em França. Mas, visto que a Comissão não inclui no seu cômputo os seminaristas da Comunidade de Saint-Martin (uns sessenta), praticamente todos destinados ao ministério diocesano, podemos ainda assim fazer valer o número de 710 como correspondendo ao número de vocações efectivamente destinadas às dioceses, o que representa o mais baixo nível jamais verificado desde a Revolução.

2) AS ORDENAÇÕES SACERDOATAIS NAS DIOCESES 

O inquérito da CEF contabiliza também as ordenações. Aqui, notam-se dificuldades em fornecer os valores exatos devidamente discriminados.

> Para 2010, em Junho a Comissão da CEF anunciava 83 ordenações, mas rectificou depois, fazendo-as subir para 96 em Novembro. Ao que parece, englobava aí 3 ordenações da Comunidade Saint-Martin, 2 da Comunidade São Tomás Beckett e 8 das comunidades Ecclesia Dei não religiosas. O acrescentamento destes casos de estampo bem clássico (nomeadamente em se tratando desses 8 que fizeram a escolha explícita da forma extraordinária) é encorajante na medida em que integrá-las nas estatísticas globais vem afirmar o carácter “normal” destas vocações, o que vai no bom sentido; e a próxima etapa seria a de as mencionar explicitamente e não de modo escondido.

> Para 2011, no mês de Junho a CEF declara limpidamente : «As avaliações da Conferência Episcopal Francesa para o ano de 2011 dão o número de 111 ordenações de sacerdotes diocesanos. Ou seja, 103 para as dioceses de França, das quais 5 da Comunidade do “Emmanuel” e 6 das Missões Estrangeiras de Paris para a Igreja da Ásia. Isto sem contar os religiosos ordenados no quadro das congregações nem os membros das sociedades sacerdotais.» No seu balanço de final do ano, a Comissão veio apresentar o número de «106, das quais 3 extra-curso», mas sem aí contabilizar as 8 ordenações da Comunidade Saint-Martin. Assim, em 2011 houve na realidade uma quinzena de ordenações a mais em relação a 2010. Mas não se pode falar de uma retoma, porque em 2012, o número de diáconos não chega a 80 (foram ordenados em 2011 77 diáconos com vista a serem ordenados sacerdotes em 2012). 2012 corre assim o risco de ser um ano de ordenações particularmente magro, mesmo se juntarmos as ordenações das comunidades.


B – UMA NOTÁVEL PASSAGEM NA DIRECÇÃO DE UMA « SENSIBILIDADE” MAIS TRADICIONAL

Numa paisagem sempre cada vez mais sinistra (100 ordenações por ano para cerca de pelo menos 800 sacerdotes que se reformam [1]), cumpre precisar, com a comissão da CEF, que são 38 os seminaristas diocesanos que se reclamam da comunidade do “Emmanuel”, que é de longe a mais clássica das novas comunidades, ao passo que no ano passado eram apenas 27.

Lembre-se ainda que as Missões Estrangeiras de Paris, que, por definição, não encaminham os seus candidatos para as dioceses, nem por isso deixam de se alimentar do viveiro vocacional francês. Ora, depois da mudança de direcção e da eleição do Padre Georges Colomb como superior geral, claramente mais “identitário” que o seu predecessor, o recrutamento entrou visivelmente em alta (conquanto os números que mostra não consigam ombrear com o glorioso passado desta instituição: apenas cerca de 25).

Cumpre ainda sublinhar que, como facto a acrescer, temos a presença da Comunidade de Saint-Martin, cujos membros andam sempre de batina, seguem no Seminário de Cande a forma ordinária em latim, estudam o canto gregoriano e beneficiam de um ensino tomista, e que mostra um número de efectivos com um crescimento assombroso: 60 este ano, em lugar dos 43 do ano passado (o que está em perfeita conformidade com o constante reforço da presença da Comunidade de Saint-Martin nas dioceses francesas de alguns anos a esta parte). Hoje em dia, quase todos os bispos, mesmo os mais progressistas, são favoráveis à vinda da Comunidade para as respectivas dioceses: claramente, para esta congregação nascida sob a protecção do Cardeal Siri, o tempo do ostracismo parece ter terminado.

Passando à frente até mesmo dos diversos seminários interdiocesanos, à cabeça da classificação continuam dois seminários diocesanos: o de Toulon e o de Paris, com pouco mais de 70 candidatos cada um, e ambos acusando um aumento [2]. Claro está que tanto este número como o aumento, proporcionalmente, são bem mais notáveis para a diocese de Fréjus-Toulon do que para Paris. Trata-se de resultados que se ligam inegavelmente à personalidade do seu bispo, Mons. Rey, vindo da comunidade do “Emmanuel” e muito aberto à “Nova Evangelização”, bem assim como ao motu proprio Summorum Pontificum. Em Paris, os efectivos dos seminaristas parisienses que, tendo ultrapassado a centena com o pico atingido nos anos de Lustiger, tinham caído de novo para 54 em 2007, conhecem agora uma recuperação apreciável (74 em 2011, dos quais 62 parisienses). Cumpre dizer que o seminário parisiense parece agora estar aberto “a todas as sensibilidades”, o que significa dizer que está aberto aos postulantes mais tradicionais que, até então, eram convidados a irem procurar uma solução noutro lado.

Por entre as “pequenas” dioceses, como poderemos deixar de assinalar o caso de Vannes, que recolhe uma trintena de seminaristas, e o de Baiona que conta já com uma quinzena de seminaristas, quando não tinha mais de 2 em 2009? Cumpre lembrar que em Vannes (Mons. Centène) como em Baiona (Mons. Aillet, nomeado no fim de 2008), se pode dizer que os respectivos bispos estão plenamente em sintonia com o pontificado de Bento XVI e que esse facto não é algo que não tenha incidência sobre o dinamismo das vocações locais. Sem perigo de exagerarmos, podemos estimar em 30% a proporção dos seminaristas franceses directamente sensíveis à reforma da reforma desejada por Bento XVI, motu proprio incluído. Ora, a estes seminaristas diocesanos, é preciso juntar ainda todos aqueles que escolhem a via dos seminários ditos tradicionalistas.


C – O VIVEIRO TADICIONALISTAS

1) São os seguintes os critérios que seguimos todos os anos no nosso inquérito relativo aos seminaristas tradicionalistas de todas as tendências :

- Só são levados em conta aqueles das comunidades cujo ministério é assimilável a um ministério de tipo diocesano, isto é, excluindo todas as comunidades estritamente religiosas;

- São subtraídos os estudantes do primeiro ano, chamado “ano de espiritualidade”, que corresponde ao ano propedêutico dos seminários diocesanos;

- Distinguem-se duas categorias : a Fraternidade de São Pio X e os tradicionalistas “oficiais” em globo (comunidades Ecclesia Dei, seminaristas “extraordinários” não pertencentes a qualquer comunidade, isto é, assumidos por dioceses);

- Sabendo que as comunidades tradicionalistas são internacionais e confiam, por vezes, ministérios em França a estrangeiros e no estrangeiro a franceses, a fim de se estabelecer uma correspondência plausível com as dioceses francesas, são apenas considerados, destas comunidades, os aspirantes ao sacerdócio franceses.

2) Os resultados do nosso inquérito baseado em tais critérios são os seguintes:

— A FSSPX conta com 49 seminaristas franceses (48 em Écône e 1 em Winona), número exactamente igual ao do ano passado, representando estes franceses a proporção, constante desde há vários anos, de um terço do conjunto global dos candidatos ao sacerdócio da FSSPX (150). Isto parece estar em conformidade com o facto de o apostolado da FSSPX ser muito estável em França desde há uma dezena de anos, observando-se actualmente que o número dos fiéis já não tem aumentado.

— Os tradicionalistas franceses “oficiais” contam com 91 seminaristas, em vez dos 95 do ano passado, número que se mostra praticamente estável. Também aqui uma tal estabilidade se explica pelo facto de que o número de paróquias ou de celebrações confiadas a sacerdotes das comunidades Ecclesia Dei tem evoluído muito lentamente, o que torna difícil o apostolado sacerdotal.

O que perfaz um total de 140 candidatos franceses tradicionalistas equivalentes a seminaristas diocesanos, sendo que, em 2011, foram 18 os sacerdotes franceses a serem ordenados para a forma extraordinária do rito romano, dos quais 11 para a FSSPX (em 2010 haviam sido 16, dos quais 8 para a FSSPX).

3) As nossa observações sobre este resultados

> Considerando que os números dos seminaristas “ordinários” estão em derrocada e que aqueles dos “extraordinários” permanecem estáveis, a proporção continua a crescer lentamente em favor dos “extraordinários” (um pouco mais de 16% para um pouco menos de 84%)

> De todo o modo, em termos absolutos, podemos falar agora de uma estabilidade, depois de um contínuo crescimento nos aos precedentes (os postulantes franceses ao sacerdócio para o rito tridentino foram de 120 em 2005, 130 em 2007, 136 em 2008, 140 em 2009, 144 em 2010, 140 em 2011) — o que é coerente com o crescimento muito lento do número de celebrações segundo a forma extraordinária.

> A liturgia reformada de depois do Concílio, pelo menos na interpretação que dela se faz e que tem todo o aspecto de lhe ser consubstancial, não será, afinal, um dos elementos maiores a ter permitido o maremoto da secularização que se abateu sobre a sociedade cristã? Inversamente, tudo o que “acompanha” a liturgia tradicional, catecismo, formação doutrinal dos jovens, escolas, movimentos, e, sobretudo, vocações sacerdotais, não terá um evidente valor missionário?

> Cumpre notar que a estabilidade actual, depois de um aumento que foi lento, é menos indicativa do que a proporção global: mais de 15% dos seminaristas franceses resultam de nada mais que 5% de católicos praticantes — aqueles que têm acesso todos os domingos à liturgia tradicional. Quanto a nós, cremos no entanto que o número de jovens destinados à forma extraordinária não espera outra coisa senão a hipótese de crescer, se se puserem os meios para isso à disposição. De acordo com o velho e bom princípio de que só podemos gostar do que conhecemos e praticamos, não restam dúvidas de que quanto mais a forma extraordinária vier a ser proposta nas paróquias, mais ela virá a ser descoberta por jovens que até aí ignoravam a sua existência, e que então estarão em condições de poder escolher a forma extraordinária quando for chegado o momento da sua entrada no seminário.

Se se abrisse mais as paróquias à celebração da forma extraordinária do rito romano, se se satisfizesse o desejo dos fiéis e se desse a descobrir esta forma litúrgica aos que a não conhecem, o número de seminaristas “Summorum Pontificum” aumentaria necessariamente, o que iria influenciar imediatamente a curva das vocações diocesanas. Então porquê evitar isso?

> E para terminar, permitam-nos formular um voto, que aliás também nos parece ser coisa de bom senso: que a forma extraordinária do rito romano tenha o campo inteiramente aberto no âmbito das celebrações do Ano da Fé que está para começar.



[1] A fim de suprir o deficit sacerdotal em França, seriam necessários 20.000 seminaristas em estádio de formação. Vejam-se, a este propósito, as análises do Pe. Thierry-Dominique HUMBRECHT, L’Avenir des Vocations, Parole et Silence, 2006.

[2] Atrás vêm os seminaristas interdiocesanos, que totalizam cerca de 50 (Lyon e Toulouse), depois os de Orleães e de Issy-les-Moulineaux com cerca de quarenta, e em seguida os muitos seminários que contam uma trintena de candidatos (Lille, Seminário Francês de Roma, Seminário dos Carmelitas, Venasque, etc.).