Carta 71 publicada a 25 julho 2016

Entrevista com Felipe Alanís Suárez, novo presidente da Una Voce International

Fundador da Una Voce México, Felipe Alanís Suárez è, desde Outubro de 2015, o primeiro presidente não europeu da Federação Internacional Una Voce (FIUV), e aceitou amavelmente responder às nossas perguntas, com o intuito de fazer o ponto da situação desta organização que se prepara para festejar o seu 50º aniversário. Depois da fundação da Una Voce França em 1964, por Georges Cerbelaud-Salagnac, em 1967, erigiu-se formalmente em Zurique a Federação Internacional Una Voce (FIUV). Era uma época em que, por todo o mundo, se erguiam vozes de numerosos artistas e intelectuais protestando contra o abandono pela Igreja do latim e do canto gregoriano, coisa que lhes parecia desastroso, e não apenas do ponto de vista religioso, mas também daquele cultural.




I – A nossa conversa com Felipe Alanis Suárez

1- De agora em diante, o Felipe assumirá o cargo de presidente da Féderação Internacional Una Voce, a mais antiga e mais importante iniciativa em favor da salvaguarda da liturgia gregoriana: qual será a linha directriz da sua acção durante este mandato que durará até 2017, ano em que se comemorarão os dez anos do Summorum Pontificum?

Felipe Alanis Suárez : Desde logo, tenho a aspiração de poder dar continuidade ao trabalho dos meus predecessores. O bom Deus permitiu que à cabeça da FIUV pudessem estar personalidades notáveis, como o Dr. Éric de Saventhem, o nosso primeiro presidente, mas também o saudoso Michael Davies. Um dos sucessos da FIUV foi o de ter conseguido, e sabido, proceder à própria institucionalização. A nossa força motriz vem do conjunto dos nossos membros, os quais, tomando embora parte num projecto colectivo, conservam ao mesmo tempo o próprio carisma, e continuam a travar cada um as suas próprias batalhas. Contamos com o concurso precioso de pessoas com uma experiência valiosa, como é o caso de Leo Darroch, um dos pilares da FIUV, envolvido nas actividades da federação desde há mais de 20 anos; mas também de presenças mais jovens, como Joseph Shaw, que dirige um dos mais ambiciosos projectos do mundo tradicional, as nossas notas de orientação (Position Papers), ou como Carlos Palad, que se dedica ao desenvolvimento da forma extraordinária nas Filipinas. Na realidade, podia ainda falar da Rússia, da Polónia e de tantos outros países, sem esquecer a França, claro está, mas o que pretendo transmitir ao mencionar alguns nomes como estes é que a FIUV não é uma iniciativa individual, mas sim colectiva. Pelo carácter internacional que nos é próprio, tendemos a ser profundamente católicos.
Tudo isso de modo algum me exonera da particular responsabilidade que me incumbe durante os meus dois anos de mandato, que desejo pôr formalmente sob a protecção do mistério da Imaculada Conceição. Por meio desta consagração, pomos entre as mãos da Santíssima Virgem as nossas limitadas capacidades, a fim de que, pela sua intercessão e guiados por Ela, as nossas actividades possam destinar-se unicamente à maior glória de Deus.
A nossa acção continuará a desenrolar-se em torno de três eixos principais:
- servir de canal de comunicação e de representação para os milhares de grupos locais ligados à missa tridentina;
- fornecer, na medida do possível, uma ajuda prática aos grupos que desejem dar início à celebração da forma extraordinária do rito romano ou aos que já a têm;
- desenvolver e expor sempre mais extensamente a argumentação em defesa da liturgia tradicional, o que a nossa qualidade de leigos nos permite fazer.
Estas três missões são, com é evidente, interdependentes, e cada projecto que levamos por diante pretende contribuir par as fomentar.
Por fim, referiu 2017 como ano do décimo aniversário do motu próprio de Bento XVI; ora, dá-se o caso que coincidirá também com o quinquagésimo aniversário da primeira assembleia geral da FIUV. Não nos daremos por satisfeitos em celebrar estes aniversários, mas antes esforçar-nos-emos por estender o nosso olhar para os próximos 10 e 50 anos: a paz está ainda longe de ser uma realidade, e ainda não parámos de rezar e trabalhar.

2- Durante o seu pontificado, o Papa Bento XVI esforçou-se por chamar a atenção dos fiéis e da Igreja para o lugar central de Cristo na liturgia e, por conseguinte, para a centralidade da liturgia na vida dos católicos. Houve muitas iniciativas litúrgicas novas que foram lançadas para ladear este movimento de “reforma da reforma” (conferências, peregrinações sites internet, livros, etc.): como é que a FIUV acolhe estas iniciativas?

Felipe Alanis Suárez:
Nós temos, por princípio, uma simpatia natural por todas as iniciativas destinadas a sublinhar a centralidade de Cristo, e não dos homens, e não apenas na liturgia, mas também em toda a vida da Igreja. No que toca ao movimento dito de “reforma da reforma”, a experiência mostra-nos que, frequentemente, estamos de acordo em identificar a raiz dos problemas do Novus Ordo na sua própria estrutura. Não é apenas a ars celebrandi que tem falhas – que varia de paróquia para paróquia, como também de um Papa para outro, como se percebe bem comparando as celebrações dos três últimos Papas –, há também falhas em certos aspectos intrínsecos do Missal de 1970.
De um modo geral, a reforma da reforma parece fundar-se sobre o facto de que a liturgia é uma herança e não uma criação, princípio também partilhado, evidentemente, pelo movimento tradicional. Uma proposta de novas práticas e novos ritos para se poder sair da crise não teria outro resultado que não fosse um novo insucesso. A única via possível é a de temperar e bloquear as mudanças provindas da reforma, reintroduzindo certos elementos presentes na forma extraordinária, tais como o cânone em latim, a celebração ad orientem, o gregoriano, o carácter sagrado do recinto do presbitério, etc.
Porém, torna-se logo evidente que a maior parte destas restaurações não corresponde ao ethos próprio do Novus Ordo, que é, ao mesmo tempo, minimalista e como que um kit, pondo o celebrante em frente de uma miríade de opções. Pior ainda, o problema do novo missal consiste em que ninguém ou que quase ninguém o respeita! De facto, se há alguma coisa que os últimos 50 anos nos podem ensinar, é precisamente que o respeito das rubricas não se obtém por decreto! É muito significativo que, até hoje, não haja nem um movimento para defesa da celebração do Novus Ordo segundo as instruções gerais do missal romano que tenha chegado a vingar e a desenvolver-se. Tudo se passa como se ele estivesse destinado a mudar continuamente, de alteração em alteração. Hoje em dia, verifica-se que, em toda a hierarquia da Igreja se admite que todas as variações são admissíveis, bastando que corresponda a um qualquer pretexto pastoral.
Na realidade, a pergunta é: que se poderia esperar de uma reforma do Novus Ordo? Uma nova reforma alguns anos depois?
Além do mais, a partir do momento em que os elementos que, no Novus Ordo, permitiriam recuperar a centralidade de Cristo se referem à forma extraordinária, não será que eles parecem simplesmente reflectir nostalgicamente uma luz que, afinal, brilha alhures? De que serve reintroduzir, por exemplo, a celebração ad Orientem, as orações aos pés do altar, o cânone romano, quando todos estes elementos existem já na missa tradicional? Esta permanece, imutável, sóbria, eterna, revelada, respeitada, sacra. Ela não mais mudará. Não se trata de um desejo, mas sim de uma constatação.
Em resumo, poderia dizer que apreciamos o esforço presente na “reforma da reforma”. Trata-se de uma tentativa honesta, humilde, e muitas vezes válida, mas que corre o risco de mais não ser do que um remédio temporário, já que não pode conduzir a outra coisa que não seja a fabricação de uma nova liturgia. Já a forma extraordinária, que não se encontra sob a influência de qualquer corrente cultural, pode invocar a seu favor a sacralidade, a sua história e o seu direito próprio, bem como o seu forte carácter pastoral, observável por todo o lado onde ela é celebrada no seio da Catolicidade. A normalização da sua celebração na vida quotidiana da Igreja é a estrada mais segura para se voltar a pôr Cristo no centro da vida litúrgica da Igreja.

3- Graças ao precioso trabalho de Joseph Shaw, presidente da Latin Mass Society, a FIUV publicou já perto de 30 notas de orientação sobre liturgia e sobre as pessoas que a ela estão ligadas. Entre todas as notas, quais aquelas que mais o marcaram?

Felipe Alanis Suárez: Estas notas de orientação (em inglês, Position Papers, PP) são uma grandiosa contribuição em benefício de todo o movimento tradicional. A título pessoal, as que mais me marcaram foram as dedicadas aos acólitos da missa (PP1), ao silêncio na liturgia (PP9) e aos homens na forma extraordinária (PP26); muito provavelmente, porque elas exprimem de maneira articulada as razões que estão na origem da minha ligação à missa tradicional. Estou convencido de que muitos dos leitores desta série de artigos encontraram aí elementos concretos e argumentados para poderem explicar a própria adesão à forma extraordinária. Ainda não temos uma versão em francês, mas convido todos os seus leitores anglófonos a consultá-las na internet.


Missa organizada pela Una Voce Cuba.


II – As reflexões da Paix liturgique

1) A dimensão internacional da FIUV é uma das suas principais características e ilustra bem a universalidade da missa tradicional: actualmente, a FIUV conta com 41 associações repartidas por todos os continentes, de Cuba ao Japão e da Nigéria à Letónia. Um dos segredos da longevidade da Federação Internacional Una Voce é o facto de que cada um dos seus membros conserva a sua própria identidade, o seu próprio calendário de actividades e as suas prioridades próprias. Durante os últimos anos, o crescimento da Una Voce ficou a dever-se aos antigos países comunistas (Rússia, Bielorússia, Letónia) e àqueles latino-americanos, sendo Cuba um símbolo deste renascimento litúrgico cada vez mais universal.

2) É particularmente feliz a insistência de Felipe Alanis sobre a oferta de material didáctico, de argumentações e de ajuda prática aos grupos que, nos diversos lugares, promovem as celebrações. Porque temos acompanhado o desenvolvimento do motu proprio Summorum Pontificum em França desde 2007, bem sabemos até que ponto os peticionários da missa tridentina têm sede de formação e informação. Isto é especialmente verdadeiro nos países em que tudo está ainda por fazer: desde a tradução dos textos que regulam a aplicação do motu proprio até à dos próprios do missal dominical. Como nos diz Felipe Alanís Suárez, “a paz está ainda longe de ser uma realidade, e ainda não parámos de rezar e trabalhar.” E a própria FIUV dá o exemplo, com a sua série de notas de orientação sobre o missal de 1962 (Position Papers) que foi publicando sob a direcção de Joseph Shaw, pai de uma família numerosa e presidente da tão dinâmica Latin Mass Society britânica, além de ser também professor em Oxford. Estas notas, que ainda não foram traduzidas em português, representam um instrumento precioso para o aprofundamento das riquezas e especificidades da liturgia tradicional.

3) As considerações tecidas por Felipe Lanís Suárez sobre a “reforma da reforma” parecem-nos muito ajustadas. Há boas razões para se concluir que este movimento, levado por diante no terreno por sacerdotes e prelados corajosos, em si mesmo, é uma ulterior prova dos “defeitos de fabrico” do Novus Ordo. A reintrodução de elementos da liturgia antiga traz consigo o sério risco de não ser mais do que uma emenda que é ainda pior que o soneto, a tal ponto tais elementos são, pela sua própria natureza, contrários a espírito e ao ethos da nova liturgia. Tanto mais que tais reintroduções, pela sua natureza, acabarão por ser provisórias, a não ser que redundassem na confecção de um novo Missal novo, o que não só é improvável, mas seria aliás completamente inútil num tempo em que a Igreja não reencontrou toda ela o verdadeiro sentido da liturgia.