Carta 83 publicada a 21 setembro 2017

«Adorar a Deus é servir a vida»

Em memória de Mons. Barreiro, zeloso defensor da vida e da tradição litúrgica
 
Este mês, queremos prestar a nossa homenagem a uma valorosa testemunha da Fé, Mons. Ignacio Barreiro Carámbula, sacerdote uruguaio que se dedicou à defesa da vida humana e à promoção da liturgia tradicional, chamado por Deus na tarde da Quinta-feira Santa de 2017, no seguimento de uma longa batalha contra o cancro.
 
Nascido em 1947, em Montevideu, formou-se em Direito e foi diplomata. Em 1978, Ignacio Barreiro era enviado para Nova Iorque, como delegado junto da ONU, e foi aí que descobriu a militância pró-vida, passando a fazer parte das suas fileiras desde 1982. Esta experiência levou-o a aprofundar as consequências decorrentes da fé católica, a tal ponto que, em 1983, pediu para entrar no seminário de Nova Iorque (Dunwoodie). Após a ordenação em 1987, pelo Cardeal O’Connor, realiza estudos de Teologia em Roma entre 1991 e 1996, e, em 1998, torna-se director dos escritórios romanos da “Human Life International” (HLI), associação americana de defesa da vida e da dignidade da pessoa humana, desde a concepção até à morte natural.

Tendo sido um militante defensor da realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, a ponto de ter tido problemas com as autoridades do seu país, interveio em numerosas obras, revistas e colóquios, em temas relativos ao bem comum, à crítica da liberdade religiosa, à explicação do direito público da Igreja, à crítica do liberalismo católico, entre outros, sempre na linha das escolas teológicas tradicionais de Roma e do mundo hispânico. Um seu artigo sobre “A sacralidade da mediação política”, publicado na revista “Catholica” de Janeiro de 2010, resume bem o eixo em torno do qual giravam as suas convicções: «O facto de que nos dias de hoje praticamente nenhum governo reconheça a sua dependência em face de Deus não tolhe que seja aí que está o estatuto essencial de todo o poder público [...] O homo oeconomicus, o ideal limitado e alienante oferecido pelo socialismo e pelo hedonismo do consumo, tem de ser rejeitado, e o mesmo vale para o homo politicus dos diferentes tipos de liberalismo, um modelo auto-referencial que se funda sobre uma cultura que não tem outro horizonte senão o da cidade terrestre. O nosso pensamento deve antes dirigir-se para o homo Catholicus, que integra quanto provém das duas primeiras categorias, mas ultrapassando-as largamente, porque a sua consciência primeira é precisamente a de que se é um ministro de Deus no mundo.»

A sua ligação à defesa da vida como dom de Deus era ladeada pela sua ligação à celebração da liturgia tradicional, o que levou Mons. Barreiro a estar na origem de uma celebração dominical da Missa de São Pio V em Roma, hoje continuada na igreja de San Giuseppe a Capo le Case, um pequeno santuário situado entre a Via Veneto e a Praça de Espanha.

Em 2013, participou das primeiras jornadas “Sacra Liturgia”, apadrinhadas por Mons. Rey, bispo de Fréjus-Toulon, proferindo aí uma conferência intitulada “A sagrada liturgia e a defesa da vida humana”, em que desenvolveu um tema que abordara pela primeira vez em Toronto, em Abril de 1999. Deixamo-vos um resumo desta intervenção para que sobre ele possam meditar, encomendando a alma de Mons. Barreiro às vossas devotas orações.


Monsenhor Barreiro ao lado de Mons. Rey em Roma, a 28 de Junho de 2013, por ocasião da primeira conferência “Sacra Liturgia”.

«Entre culto e cultura há elos estreitos. Assim, havendo uma diminuição do culto ao Senhor, a cultura de uma sociedade sai afectada negativamente. Se se perde de vista a presença real de Cristo na Eucaristia e o carácter sacrificial desta, acaba-se por também perder de vista o carácter sagrado da vida humana.»

«Existe uma relação entre a crise da liturgia e o frágil acolhimento da encíclica Humanae vitae.»

«Um homem do século que recusa adorar a Deus recusa também reconhecer que a vida é o maior dom que Ele lhe faz, que ele depende inteiramente do doador em tudo o que faz com tal dom. Já por outro lado, o cristão que adora o Senhor aperceber-se-á do sentido da vida e sentir-se-á encorajado a fazer face às dificuldades próprias de quem tem filhos. Por isso é que é importante que nos voltemos para o Senhor na liturgia.»

«A garantia segura da natureza sacrificial da missa dar-nos-á a força de fazer os sacrifícios necessários para restabelecer a Cultura da Vida, mesmo no meio das tantas perseguições que a Igreja sofre nas nossas sociedades laicas. O homem terá o desejo do Céu e o de povoar o paraíso com os seus filhos, se saborear um gosto antecipado do céu na liturgia.»

«Não somos nós que nos damos a vida ou a tradição, elas são-nos dadas. As verdades da fé são uma tradição, algo que nos é dado para que o transmitamos, tal como a vida. O homem é por natureza um ser social, pelo que deveria também prestar culto público a Deus. Isso conduzi-lo-á a procurar o bem comum da sociedade, inspirado pelo que vive na liturgia.»

«Tanto é contranatura negar o culto a Deus como o é rejeitar a vida. Nada do que é contranatura pode durar.»