Carta 91 publicada a 24 janeiro 2019

O novo rito da confirmação, qual alegre festa

segunda parte do nosso estudo comparativo dos rituais em forma extraordinária e moderna


A cerimónia da confirmação segundo a forma tradicional suscita uma afeição e um carinho muito especiais entre os pais e educadores que praticam a sua fé na forma tradicional. Importa, pois, tentar descobrir quais as razões que levam a isso. O sacramento da confirmação tradicional cracteriza-se por ser um ritual sóbrio e grave, e, ao mesmo tempo, solene, porque o bispo está presente: um ritual que “fala” por si mesmo, e fala com grande eloquência. Já a nova confirmação, apresenta-se como uma alegre festa. E com este enquadramento, que roça o festivo profano, ela é, e quer ser, nova, quase violentamente nova (1). Do ponto de vista do estilo litúrgico, poderíamos mesmo dizer, que ela é o sacramento novo num estado puro: a nova cerimónia inova formalmente de ponta a ponta, como se isso fosse uma questão de princípio. Isto mesmo é depois fortemente acentuado nas traduções em língua vernácula, que podem chegar a ser verdadeiras “adaptações” da cerimónia latina, nomeadamente a adaptação em língua francesa, vigente em França e nos países francófonos (aprovada pela Congregação para o Culto Divino), em que o génio inovador do CNPL-Centre National de Pastoral Liturgique se superou a si mesmo.

Convém lembrar que, neste sacramento, que imprime na alma um carácter, um selo indelével, como o fazem também o baptismo e a ordenação, a graça sacramental conferida pode ser descrita recorrendo à noção chave de aumento, “acrescimento”, como uma passagem sobrenatural à idade adulta. Dá-se uma efusão mais plena do Espírito Santo, como outrora foi dado aos apóstolos no dia de Pentecostes (Catecismo da Igreja Católica, n. 1302). O baptismo aparece assim confirmado: usa-se aqui uma analogia com a entrada, do ponto de vista da natureza, na idade adulta, a idade “perfeita”, quando se passa a um estado em que se pode realizar todos os actos humanos.

Querendo adaptar-se o mais possível ao que pensavam ser o estado de espírito das crianças e dos adolescentes de hoje em dia, os idealizadores do novo ritual passaram a elaborar uma cerimónia particularmente festiva, e modelável ao máximo. Também isto ressalta grandemente nas traduções vernáculas, enquanto verdadeiras adaptações da cerimónia latina, como se disse, designadamente no texto vigente em Fraça e nos países francófonos (2). Cumpre sublinhar que, em tempos recentes, é notório como este “espírito de festa” tem vindo literalmente a explodir em certas cerimónias de confirmação, matrimónio e primeiras comunhões, com músicas e cânticos desenfreados, aplausos ritmados e encenações cadenciadas de celebrantes e da assistência, quando não procissões dançantes.


As cerimónias do ritual tradicional da confirmação

. Uma imposição geral das mãos sobre o conjunto dos confirmandos.

. sacramento em si mesmo por meio de uma unção com o santo crisma sobre a fronte e a imposição da mão, enquanto o ministro diz: «N..., eu te assinalo com o sinal da Cruz, e te confirmo com o crisma da salvação, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém» (na Igreja Grega, unge-se o baptizado, para o confirmar, na fronte, olhos, narinas, boca, orelhas, peito, mãos e pés, algo à guisa de que acontece na extrema unção tradicional).

. De seguida, o bispo toca a face do confirmado, como sinal da paz, à maneira de um “beijo da paz”: Pax tecum.

O santo crisma usado no sacramento é feito de óleo de oliveira (representando a plenitude do Espírito Santo que confere a força) misturado com bálsamo (simbolizando o bom odor da virtude de Cristo).

A principal oração desta cerimónia relativamente breve é a que acompanha a imposição geral das mãos sobre os que irão ser confirmados: «Deus eterno e todo-podderoso, que Vos dignastes fazer renascer pela água e pelo Espírito Santo os vossos servos aqui presentes, e que lhes outorgastes o perdão de todos os seus pecados, enviai sobre eles do alto dos céus o vosso Santo Espírito, nosso Conselheiro, com os seus sete dons. R: Amém. Espírito de sabedoria e de entendimento. R: Amém. Espírito de conselho e de força. R: Amém. Espírito de ciência e de piedade. R: Amém. Enchei-os do Espírito do vosso temor e, na vossa bondade, marcai-os com o sinal da Cruz de Cristo para a vida eterna. Por nosso Senhor vosso Filho, que vive e reina convosco na unidade do mesmo Espírito Santo, Deus, por todos os séculos dos séculos. R: Amém.»


Uma multiplicidade maximizada de opções na nova confirmação

. Logo nos Praenotanda, pode ler-se: «A Conferência Episcopal considerará se, tendo em conta as circunstâncias locais, a índole e as tradições dos povos, será oportuno: a) adaptar convenientemente as fórmulas para renovar as promessas e profissões baptismais...», e «[o] ministro poderá, em cada caso e atendendo à condição dos confirmandos, introduzir no rito algumas admonições e adaptar convenientemente as já existentes, por exemplo dando lhes a forma de diálogo sobretudo quando se trata de crianças, etc..» Assim, por exemplo, no texto francês, observam-se duas formas de acolhimento à escolha, consoante seja o bispo a saudar a assembleia («Ele dirá, por exemplo: Que Deus nosso Pai...») ou o animador («Ele dirá, por exemplo...»), ao que o bispo, respondendo ao animador, «diz, por exemplo...». Ainda na versão francesa, a preparação penitencial tem também duas formas alternativas, cada uma sendo depois passível de alterações segundo o que se entender («Evocação de acontecimentos da vida significativos da nossa resistência ao Espírito Santo, com uma invocação, por exemplo: …»).

. A oração inicial, se a celebração se faz fora da missa, apresenta na versão portuguesa cinco alternativas possíveis. Todavia, na versão francesa aprovada, a oração de abertura, faz-se segundo três formas possíveis, a primeira oferecendo por seu turno outras seis opções, das quais a segunda é dialogada e a terceira em jeito de litania.

. Ainda no formulário francês, a resposta dos confirmandos ao serem chamados pode revestir várias modalidades: levantar-se, responder oralmente, dar um passo à frente, mas a enumeração não é exclusiva.

. Quanto à profissão de fé, de novo se nota como o rito muda segundo os países. Assim, o formulário português, já permite que a conclusão da mesma pelo bispo seja alterada, mas em França, a profissão de fé chega a prever seis formas possíveis, cada uma delas apresentando subpossibilidades alternativas e de livre escolha («Para introduzir a profissão de fé, o bispo pode, como acontece na Vigília Pascal, recorrer a um texto bíblico amplamente citado. Pode igualmente dizer, por exemplo... Esta resposta da assembleia pode revestir diversas formas, ou então o bispo diz ...». De facto, o n. 17 dos Praenotanda determina que: «A Conferência Episcopal considerará se, tendo em conta as circunstâncias locais, a índole e as tradições dos povos, será oportuno: a) adaptar convenientemente as fórmulas para renovar as promessas e profissões baptismais, quer seguindo o texto do Ritual do Baptismo, quer adaptando as suas fórmulas de modo a corresponderem melhor à situação dos confirmandos».

. Como já se viu, podem ser intercaladas admonições livres («O ministro poderá, em cada caso e atendendo à condição dos confirmandos, introduzir no rito algumas admonições e adaptar convenientemente as já existentes, por exemplo dando lhes a forma de diálogo sobretudo quando se trata de crianças, etc.»). Em França, prevê-se mais expressamente que: «É conveniente que uma breve catequese acompanhe os ritos do sacramento. Esta pode ser feita tanto pelo comentador/animador ao longo do desenrolar dos ritos como pelo bispo antes do conjunto dos ritos ou de cada um deles. Para a imposição das mãos, por exemplo...».

. No texto francês, também aqui diferente do português de base, a imposição geral das tem duas formas possíveis, e ambas antecedidas de um convite à oração, com diversas opções, sendo ainda possível uma composição livre.

. O n. 17 dos Praenotanda permite ainda que sejam as Conferências Episcopais a «determinar outro modo de o ministro dar a paz, após a unção, ou a cada um dos confirmados ou a todos ao mesmo tempo». Quando o formulário nacional nada determina a este propósito, tal omissão pode dar depois ampla liberdade. E mesmo quando o ponto não é omisso, como no caso francês, ainda assim se diz que o sinal da paz (o bispo que toca a face do confirmado) pode ser substituído por um outro «gesto de amizade».

. No ritual em língua francesa sucede ainda que, a concluir a cerimónia, depois da crismação ou no final da missa, se dá lugar a uma liturgia de acção de graças e de intercessão, para o que são propostas seis formas à escolha, cada uma comportando ainda variantes indicativas («Pode dizer-se, por exemplo: ...»). Por fim, a bênção do bispo é precedida por invocações em forma de litania, que podem também revestir várias modalidades. Na versão portuguesa, dá-se à escolha duas formas de conclusão e bênção.


O n. 4 dos Praenotanda insta a que se cuide particularmente «em dar à acção sagrada um carácter festivo e solene, como é exigido pelo significado que esta acção reveste perante a Igreja local. Isto conseguir se á mais facilmente juntando todos os candidatos numa celebração  comunitária». Todavia, nem todas as versões se ficam por aqui. Assim, ainda na versão francesa, as indicações a vermelho no novo livro do ritual, o equivalente às antigas rubricas que descreviam com precisão os gestos rituais, pretendem hoje empurrar a cerimónia para uma modalidade de festividade contemporânea calorosa e em tom de convívio: «O bispo dirá da sua alegria de poder encontrar nesta igreja todos os presentes e de presidir a esta assembleia. O bispo apresentar-se-á e dirá brevemente o que o seu ministério tem de específico em relação à confirmação. Poderá dar conta em poucas palavras daquilo que lhe foi dito sobre a preparação de alguns dos confirmandos com vista ao sacramento»; «O bispo faz um gesto da paz (mencionar o gesto praticado), enquanto convida o confirmado a continuar o seu caminho em confiança e alegria, uma vez que o Espírito Santo está com ele»; «Pode suceder que os confirmandos se apresentem em grupos, cada grupo sendo acompanhado pela pessoa que desempenha a função de padrinho ou madrinha para todo o grupo» (supõe-se que este padrinho do grupo é, de facto, o padrinho de cada um dos confirmandos desta pequena equipa).

Mais; resta sempre o n. 18 dos Praenotanda, dando possibilidades de adaptação e variação: «O ministro poderá, em cada caso e atendendo à condição dos confirmandos, introduzir no rito algumas admonições e adaptar convenientemente as já existentes, por exemplo dando lhes a forma de diálogo sobretudo quando se trata de crianças, etc..» Assim, se na versão portuguesa tais possibilidades são um facto, ainda que sem um formulário já definido, na versão francesa, algumas fórmulas das orações já previstas parecem querer adequar-se a uma festa infantil: «Eis porquê, a vós os mais jovens e a quantos vos acompanham, vos desejo no início da nossa festa: A paz esteja convosco»; «Deus nosso Pai faz tantas maravilhas em nosso benefício! Podemos contar com Ele»; «A nossa presença somente já deve ser motivo de que Te alegreis. Mas queremos dizer-Te que também nós estamos felizes». O ministro: «Jesus quer ser vosso amigo. E vós, quereis viver como amigos de Jesus?» As crianças: «Sim.» O ministro: «Mesmo quando é difícil e quando nos apetece dizer não à sua Palavra?» As crianças: «Sim.» E a adpatação vai ao ponto de tocar a expressão da fé. Assim, em se optando pela última forma alternativa de profissão de fé, deixa-se aos próprios confirmandos a possibilidade de elaborarem eles mesmos o texto litúrgico: «O bispo convida os confirmandos a exprimirem a sua fé servindo-se de textos curtos cuidadosamente preparados por eles por ocasião da catequese preparatória.» Nem aquele «cuidadosamente» chega a ser verdadeiramente tranquilizante.


A forma e a matéria: a novidade só pela novidade.

Após muita discussão, as modificações vieram até a afectar a forma (as palavras pelas quais se confere o sacramento) e, até certo ponto, a matéria (o elemento utilizado, neste caso o santo Crisma, e o gesto mediante o qual ele é aplicado).

. A forma: as palavras do sacrameno foram modificadas para ficarem mais próximas do rito bizantino (constituição apostólica Divinæ consortium naturæ, de Paulo VI, de 15 de Agosto de 1971). Com efeito, a fórmula grega reza assim: «O selo do do Dom do Espírito Santo», Signaculum Doni Spiritus Sancti. Trata-se de uma fórmula implicitamente deprecativa, segundo a maneira a que os Orientais estão afeiçoados («Sê baptizado em nome do Pai ...», em vez de «Eu te baptizo...»). Esta nova fórmula determinada por Paulo VI interpreta pois deste modo a forma bizantina do sacramento: N., accipe signaculum Doni Spiritus Sancti, «N., recebe o selo do Dom do Espírito Santo». Em português, isto ficou traduzido como: «N., recebe, por este sinal, o Espírito Santo, o Dom de Deus». E em francês, já ligeiramente diferente: «N., fica marcado/assinalado com o Espírito Santo, o Dom de Deus.»

. A matéria (elemento e gesto):

- o elemento aplicado era tradicionalmente o santo crisma, óleo misturado com bálsamo consagrado na Quinta-Feira Santa pelo bispo; era previsto que o óleo fosse de oliveira. Esta qualidade parecia evidente, havendo autores, como São Tomás de Aquino, que explicavam que era esse o óleo por excelência (3). Porém, o Ordo para a bênção dos santos óleos e para a confecção do santo crisma de 3 de Dezembro de 1970 passou a ditar que a matéria apta para o sacramento fosse «o óleo de oliveira ou, se parecer conveniente [pro opportunitate], um outro óleo vegetal [oleum e plantis]» (n. 3).

- quanto ao gesto para a aplicação desse elemento, os reformadores foram favoráveis a guardar apenas a crismação, suprimindo a imposição da mão concomitante (o bispo coloca a mão direita sobre a cabeça do confirmado e, com o polegar direito, aplica o santo crisma sobre a fronte em forma de cruz). Segundo os peritos, a única imposição das mãos que se deveria manter seria a antiga imposição geral das mãos sobre todos os confirmandos. O ritual da confirmação (pontifical de 1888 e de 1961) dizia: «Dum hoc dicit [“Signo te signo crucis”], imposita manu dextera super caput confirmandi, [episcopus] producit pollice signum crucis in frontem illius», « Enquanto diz “Assinalo-te com o sinal da cruz”, o bispo, impondo a sua mão direita sobre a fronte do confirmando, traça o sinal da cruz com o polegar sobre a fronte». O ritual de 1973, ao invés, limita-se a dizer: «Episcopus, summitate pollicis dexteræ manus in chrismate intincta, ducit pollice signum crucis in fronte confirmandi, dicens…»; «O Bispo humedece o polegar da mão direita no Crisma e traça o sinal da cruz na fronte do confirmando, dizendo “N., recebe, por este sinal, o Espírito Santo, o Dom de Deus”.» Paulo VI, na constituição apostólica Divinæ consortium naturæ, de 15 de Agosto de 1971, hesitava: «A unção do santo crisma sobre a fronte constitui uma imposição da mão». A este propósito, o ritual francês, resolveu o ponto acrescentando claramente: «O gesto da crismação já não comportará mais a imposição concomitante da mão sobre a cabeça do confirmando».


***


Historicamente, sobretudo em França, os périplos de confirmações realizadas por Mons. Lefebvre, que em lugares fortuitos transformados em capelas reuniam por vezes centenas de crianças, foram um dos canais de difusão da liturgia tradicional. Sancionando os cursos de catecismo ministrados nestas capelas, tais confirmações contribuíram para estruturar simbolicamente o “universo São Pio V”. Chegou mesmo a acontecer que alguns cardeais de Cúria então consultados, viessem a dar permissão aos pais para que fizessem confirmar os seus filhos por Mons. Lefebvre ou por um dos seus sucessores.

Hoje em dia, na Europa ocidental, a taxa de crianças que ainda são confirmadas tornou-se irrisória. Isso aconteceu precisamente em paralelo com a acentuação da tendência de simplesmente fazer da confirmação uma alegre festa. Há missas “em voga”, desde os anos 2000, com cânticos acompanhados por orquestras com percussão, aplausos, encenações gestuais e até dançantes. Depois das cerimónias de primeira comunhão com procissões em farândola, voltas em torno do altar, disfarces e rostos pintados, organizam-se também confirmações quase tão desenfreadas, acentuando uma re-ritualização do cerimonial. Todavia, mesmo quando a cerimónia se mantém dentro das normas previstas, a sua indigência torna-se patente a todos. Bem se compreende assim o sucesso crescente das confirmações tradicionais, agora realizadas a título oficial, e que a maior parte dos bispos aceita – ou se resigna a – celebrar.


1. Ordo confirmationis (edição típica, 1971). Far-se-á referência, para o texto português da Celebração da Confirmação, 2ª edição, publicação da Conferência Episcopal Portuguesa. As menções relativas à versão francesa referem-se, em especial, a La célébration de la confirmation. Nouveau rituel, Chalet-Tardy, 1976 (aprovado pela Congregação para o Culto Divino, a 3 de Maio de 1976), 1992, e Rituel de la confirmation, Chalet-Tardy, 1996, 2003.

2. Ibid.. 

3. Suma teológica, IIIª, q. 72, a 2, ad tertium.