Carta 4 publicada a 31 março 2010

Os Franciscanos da Imaculada, cada vez mais extraordinários!

Quinta-Feira, 25 de Março, festa da Anunciação da Santíssima Virgem, em Florença, oito frades franciscanos da Imaculada — 3 italianos, 2 benineses, 1 nigeriano, 1 filipino e 1 sul‑africano — receberam a ordenação sacerdotal das mãos do Cardeal Franc Rodè, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e para as Sociedades de Vida Apostólica, numa cerimónia que foi celebrada na forma extraordinária do rito romano. Por entre a assistência, que era numerosa, podíamos ver uma ampla delegação africana e ainda as figuras de Mons. Wach e de Mons. Schmitz, do Instituto de Cristo‑Rei, que aí compareceram na sua qualidade de vizinhos e amigos. Paix Liturgique, que também aí esteve representada, aproveitou a ocasião para se encontrar com o Rev. Padre Alessandro M. Apollonio, reitor do Seminário Teológico dos Franciscanos da Imaculada.
Estando já implantados numa área que vai das Filipinas ao Brasil, e que passa pelo Benim e pelos Estados Unidos, os Franciscanos da Imaculada (1) são uma comunidade jovem e dinâmica que obteve o reconhecimento de direito pontifício em 1998. Nascidos logo após o Concílio Vaticano II, eles viriam a descobrir o rito tradicional por ocasião do Motu Proprio Summorum Pontificum e responderam com entusiasmo ao convite feito pelo Santo Padre, no sentido de enriquecerem a sua espiritualidade quotidiana através da prática da forma extraordinária do rito romano. A história desta comunidade é um exemplo perfeito do sentido profundo assumido pelo Motu Proprio: oferecer o tesouro da liturgia tradicional a toda a Igreja, e não somente às comunidades e fiéis «historicamente tradicionalistas». A nossa conversa exclusiva com o Rev. Padre Apollonio é, pois, uma ocasião para podermos compreender como é que esta tomada de posse da liturgia tradicional por parte da Igreja é vivida no seio desta sua comunidade que conta já com mais de 700 membros, entre frades e irmãs.

Ave-Maria Senhor Padre Apollonio! O Sr. Padre é o reitor do Seminário Teológico“Maria Immacolata” dos Franciscanos da Imaculada. Poderia apresentá-lo brevemente e dizer-nos: como é que está organizado, que formação oferecem e quantos estudantes têm?

PA: Recentemente, tivemos de dividir o nosso seminário em dois: de um lado, o seminário filosófico, e do outro, o seminário teológico. A divisão fez-se por meros motivos logísticos, pelo facto de não termos uma infra-estrutura que seja capaz de albergar a formação de 50 estudantes. Destes estudantes, uns trinta estão em teologia, e cerca de vinte, em filosofia. De todo o modo, os dois centros de estudo estão muito próximos um do outro, situando-se ambos nos arredores de Monte Cassino. O nosso corpo docente é composto por uma quinzena de franciscanos da Imaculada, tendo todos eles, pelo menos, um mestrado, mais duas das nossas irmãs que, por correspondência, regem o ensino da psicologia e da pedagogia.
Os nossos cursos são inspirados pela ratio formationis da Universidade Pontifícia da Santa Cruz (dirigida pelo Opus Dei), mas têm também matérias próprias, entre as quais, a mariologia bíblica e patrística, a espiritualidade mariana, a missiologia (a arte do missionário), um curso sobre os mass-media, outro para a animação dos nossos grupos de leigos (a Missio Maria Immacolata, a nossa ordem terceira), e, por fim, dois cursos específicos relativos à filosofia e à teologia franciscanas (em particular, São Boaventura e o Beato João Duns Escoto). Dado que o seminário se destina exclusivamente aos nossos frades, o ano propedêutico é substituído pelo postulantado e pelo noviciado. Depois disso, os estudantes fazem dois anos de filosofia, um de estágio (consagrado à missão e à aprendizagem de uma língua estrangeira) e três de teologia. A seguir, os alunos melhores, mais motivados e mais humildes, poderão, eventualmente, completar a sua formação em Roma, na Universidade da Santa Cruz ou noutras Universidades Pontifícias. A escolha faz-se tendo em conta a sua inclinação natural e o bem do instituto.

O vosso seminário também tem promovido várias iniciativas de confronto de ideias e de divulgação: “Fides Catholica” e outras revistas, bem assim como vários simpósios, entre os quais, um sobre Karl Rahner, em 2007, e este último, em Dezembro, sobre o ministério sacerdotal diante dos desafios da pós-modernidade. Pode dizer-nos algo sobre isso?

PA: “Fides Catholica” é a nossa revista de maior projecção, uma revista de apologética que publicamos duas vezes por ano. Três vezes por ano, propomos também “Immaculata Mediatrix”, que mantém viva e aprofunda a doutrina de “Maria como Co-Redentora”, e, uma vez por ano, saem ainda os “Quaderni di Studi Scotisti” e os “Annales Franciscani”, dedicados à defesa da verdade histórica de São Francisco. Esta última frente é particularmente importante numa época que gostaria de fazer de São Francisco um proto-hippie ou um ecologista new-age, senão mesmo um revolucionário sandinista!
No que respeita aos simpósios, em 2008, também organizámos um sobre o Inferno. As suas actas estão agora em fase de publicação, na editora Cantagalli. O que se pretendia era reafirmar a verdade da existência do Inferno, enquanto condição escatológica em que caem aqueles homens que, recusando o perdão de Deus, morrem em estado de pecado mortal e são submetidos à pena do fogo eterno. Apesar de o Catecismo do Concílio de Trento ter estipulado que, pelo menos, Judas se encontra no inferno, hoje, vemos difundir-se a ideia errada segundo a qual o inferno estaria “vazio”, para usar uma expressão algo desajeitada de Urs Von Balthasar.
Além disso, desde 2000, organizamos ainda um simpósio anual sobre Maria Co‑Redentora, tema que é um dos nossos cavalos de batalha. Simpósio este que foi tendo lugar entre Inglaterra e Fátima, visto que não encontra um grande apoio eclesiástico em Itália …

A vocação de um seminário é a de dar sacerdotes à Santa Igreja Católica e Romana. Este ano, em Florença, serão ordenados oito dos vossos frades, no dia da festa da Anunciação, a 25 de Março. No ano passado, a cerimónia teve lugar em Tarquinia e, pela primeira vez na história do vosso instituto, o sacramento da Ordem era conferido a cinco dos vossos frades de acordo com a forma extraordinária do rito romano. Quem celebrou foi S.E.R., o Arcebispo Burke, Prefeito da Assinatura Apostólica. Este ano, será o Cardeal Rodè a celebrar, um outro alto prelado da Cúria Romana, Prefeito da Congregação para os Institutos Religiosos e para as Sociedades de Vida Apostólica. E mais uma vez, o Pontifical usado será o antigo: podemos deduzir que a forma extraordinária do rito romano já se tornou o modo ordinário das vossas ordenações sacerdotais?

PA: Sim, uma vez que o Papa no-lo permite, e isto em sentido preferencial, não exclusivo.

Ou seja?

PA: Permito-me interpretar o pensamento do nosso superior, o Padre Manelli … Dado que a forma extraordinária é a forma litúrgica mais próxima da nossa espiritualidade, enquanto o Papa no-lo permita, no que toca às nossas ordenações, a nossa predilecção vai para o rito antigo. Obviamente que, se, amanhã, tivermos de ordenar frades directamente em África ou nos Estado Unidos e o Bispo preferir celebrar segundo o Novus Ordo, as ordenações far-se-ão de acordo com a liturgia moderna, no seu mais alto grau de solenidade.

Em particular, o que é que aproxima a vossa espiritualidade do rito antigo?

PA: A nossa espiritualidade franciscana e mariana caracteriza-se por ser teocêntrica, cristocêntrica e mariocêntrica. Deus, Deus-Homem e a Imaculada Co-Redentora estão no centro da nossa vocação. E, nas suas dimensões sacrificial e mística, a liturgia tradicional vem corresponder de modo particularmente idóneo a esta nossa espiritualidade. Só há salvação em Deus feito carne no seio da Virgem, morto na cruz e ressuscitado, e a liturgia milenar da Igreja recorda-nos isso constantemente, até mesmo nos seus pormenores mais subtis.

Se, agora, os vossos frades são introduzidos no sacerdócio através do rito antigo, pareceria normal que pudessem usufruir dos respectivos tesouros todos os dias: qual é a vossa posição, por exemplo, acerca do breviário? Os vossos sacerdotes podem usar o breviário tradicional?

PA: Efectivamente, para acompanhar o crescimento espiritual de cada sacerdote, individualmente, e da nossa família religiosa, no seu conjunto, o breviário tradicional mostra ser um instrumento precioso. A tal ponto, que agora, no seminário, é esse que usamos para todos os ofícios de coro. Na oração pessoal ou estando em missão, os frades podem, contudo, usar o de Paulo VI.

Qual é a vossa orientação no que respeita à Missa, tendo em conta o MP Summorum Pontificum?

PA: Em Itália, tanto para os frades como para as freiras, a nossa forma conventual é a forma extraordinária, que é a recomendada pelo Padre Fundador, e celebra-se cada vez mais, também nas nossas cerimónias públicas de âmbito paroquial, sempre que o Bispo esteja de acordo. No estrangeiro, as coisas fazem-se de acordo com as necessidades locais. Por exemplo, nos Estados Unidos, para evitar, com prudência, qualquer espécie de confusão, as coisas vão-se fazendo a um passo mais lento relativamente ao que acontece em Itália. De qualquer maneira, do Brasil às Filipinas, a forma extraordinária vai conquistando cada vez mais a alma dos nossos irmãos e irmãs franciscanos da Imaculada.

O período pós-concílio Vaticano II não foi apenas perturbado do ponto de vista litúrgico, mas também do ponto de vista doutrinal, tal como sublinhou o vosso fundador, o Padre Manelli, durante a sua homilia na Basílica de São João de Latrão, no ano passado, por ocasião dos 800 anos da aprovação da Regra Franciscana. Segundo a opinião de Vossa Reverência, será que poderemos imaginar e deveremos augurar iniciativas de reconciliação semelhantes ao que o MP representa no plano litúrgico, também para outras matérias, como, por exemplo, a exegese ou o catecismo?

PA: É isso mesmo. Temos de admitir que o período pós-concílio foi marcado por um abaixamento em todos os níveis: da liturgia, mas também da doutrina. Se, nas nossas almas, a ideia de Deus é abaixada, tudo o resto sofre também um abaixamento, confundimo-nos com o mundo que nos rodeia e do qual, bem o sabemos, o príncipe não é Nosso Senhor. A lex orandi e a lex credendi estão intimamente ligadas.
Por conseguinte, sim. Sim, devemos esperar e rezar para que haja um “efeito dominó”, e para que se dê largas a um circuito virtuoso que possa voltar a pôr Deus no centro de todas as obras da Igreja. E parece que é isso memo que o Santo Padre está a propor, homilia após homilia.
De facto, o seu discurso de Ratisbona, em 2006, foi por nós visto como uma Magna Carta para a reconciliação da Igreja com a sua teologia perene. Foi um antídoto para as teorias do “pensamento débil” (2).
O Papa Bento XVI parece querer propor um programa para o restabelecimento da sã doutrina católica, em paralelo com a recuperação da liturgia. Trata-se de uma obra indispensável.

(1) http://www.immacolata.ws
(2) O Rev. Padre Apollonio refere-se à corrente intelectual do “pensamento débil”, nascida com o filósofo italiano Gianni Vattimo.